INTRODUÇÃO

Cresci fortemente ligado ao poder do mundo natural. Nosso modo de viver exigia que fosse assim. Não tínhamos água corrente nem fogão elétrico. Trazíamos em baldes a água da fonte mais próxima, aquecíamos a casa com fogo de lenha e cozinhávamos diretamente sobre a chama. Tínhamos um quintalzinho onde cultivávamos legumes – cebolas e tomates – de modo que púnhamos a mão na terra. As chuvas do verão significavam ao mesmo tempo inundações e água para o resto do ano. A natureza não era preservada em parques e nem mantida do lado de fora da janela, e o contato com os elementos não era por prazer, embora houvesse prazer nesse contato. Havia uma relação direta entre a nossa vida e o fogo, a madeira, a água e o clima. Dependíamos dos elementos brutos da natureza para sobreviver.

Talvez essa dependência tenha ajudado a nossa cultura, como a maioria das culturas nativas, a entender que o mundo natural é sagrado e cheio de seres e forças, visíveis e invisíveis. Durante o Losar, a comemoração tibetana do ano novo, não bebíamos champanhe para celebrar: íamos à fonte local para realizar um ritual de gratidão. Fazíamos oferendas aos nagas, os espíritos que ativavam o elemento água na região. Fazíamos oferendas de fumaça aos espíritos locais, associados ao mundo natural à nossa volta.

Crenças e comportamentos como os nossos evoluíram há muito tempo e são considerados primitivos no Ocidente. No entanto, eles não são apenas projeções de temores humanos no mundo natural, como afirmam alguns antropólogos e historiadores. A nossa maneira de nos relacionar com os elementos, no caso dos sábios ou das pessoas comuns, teve origem na experiência direta da natureza sagrada dos elementos externos e internos. Chamamos esses elementos de terra, água, fogo, ar e espaço.

Tenho um triplo propósito ao escrever este livro: contribuir para um crescente respeito pelo ambiente natural, que precisa amadurecer para evitar a degradação da vida humana; tornar a visão de mundo tibetana tradicional disponível aos ocidentais de hoje; e mostrar que compreender os elementos é uma das chaves para compreender a prática espiritual. Por meio do conhecimento dos elementos e da sua relação com eles, aqueles que seguem o caminho espiritual podem saber por que se dedicam a determinadas práticas,
quais as práticas necessárias e em que situações certas práticas podem ser ineficazes e até mesmo atrapalhar.

Os ensinamentos deste livro se originam na tradição tibetana Bön. O livro se concentra em práticas que representam três dimensões da jornada espiritual. São práticas da tradição Bön e do Budismo que devem ser aplicadas e não apenas compreendidas intelectualmente. Às vezes, achamos que entendemos uma coisa porque temos informações sobre ela, que compreendemos qualquer coisa sobre a qual possamos falar. Mas ler a respeito da prática e não praticar é como ficar falando de um remédio em vez de tomá-lo e sarar.

Quase todas as práticas deste livro são práticas que nos ajudam. Elas melhoram a qualidade de vida, favorecem a cura e oferecem proteção contra danos e doenças. Com elas, ficamos alertas e não apáticos, relaxados e não agitados. Elas incrementam a saúde, o vigor e o prazer pela vida. Isso é bom e vale a pena. No entanto, elas são usadas fundamentalmente para desenvolver a espiritualidade. Elas modificam nossa relação com o mundo natural e com as nossas próprias experiências, abrem e expandem a nossa visão. E favorecem a prática da meditação. Quando os elementos estão desequilibrados, é difícil praticar a meditação e somos forçados a trabalhar com a doença, a agitação, a apatia ou a distração. As práticas aqui apresentadas nos ajudam a vencer não apenas obstáculos externos, como também distúrbios mentais e energéticos, equilibrando os elementos na dimensão individual. Quando os elementos estão em equilíbrio, é mais fácil permanecer na natureza da mente, na natureza búdica, que é o método final e o objetivo da jornada espiritual.

As práticas e a teoria das práticas são apresentadas juntas. Esse formato reflete a nossa tradição, segundo a qual o modo de ver o mundo determina a qualidade das práticas e da vida.

Procurei escolher exercícios que podem ser feitos na vida diária. Não temos que fazer um retiro para praticá-los, mas podemos. Não temos que cancelar todos os compromissos da nossa agenda. Os elementos são tudo o que existe, de modo que sempre podemos praticar com eles, a qualquer hora, em qualquer lugar, seja o que for que estivermos fazendo.

Neste livro, parti da suposição de que o leitor está familiarizado com certos termos. Por exemplo, intercalo o uso de Dzogchen e de sua tradução, “Grande Perfeição”. Uso também “consciência inata”, “consciência de não dualidade” e “presença de não dualidade” como traduções equivalentes para rigpa, bem como “natureza da mente” e “estado natural” como sinônimos para a inseparabilidade do vazio e da luminosidade, a natureza búdica que é a nossa verdadeira natureza.

Incluí citações de textos tradicionais. As traduções não são exatas, pois traduzi o significado em vez de fazer a conversão palavra por palavra. Inseri referências na bibliografia para que qualquer pessoa interessada possa examinar a fonte tibetana. As palavras tibetanas que fazem parte do glossário aparecem em itálico na primeira vez em que são usadas no texto. Muitos dos termos empregados no livro são explicados com mais detalhes nas minhas publicações anteriores, Wonders of the Natural Mind [Maravilhas da Mente Natural] e The Tibetan Yogas of Dream and Sleep [As Yogas Tibetanas do Sonho e do Sono], ambas publicados pela Snow Lion Publications.

Este livro contém muitas informações. Quando estiver saturado, pare de ler. Dê um tempo para digerir, para equiparar o que está lendo à sua experiência. É assim que você pode tornar o ensinamento parte da sua vida.

Trechos de livros

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